Um Amor Inteiro e Único...

Domingo XXXI do Tempo Comum (B)
1ª Leitura - Do Livro de Deuteronómio
Portanto, deves temer o Senhor, teu Deus, cumprindo todas as suas leis e mandamentos que te ordeno, tu, os teus filhos e os filhos dos teus filhos, por todos os dias da tua vida, a fim de que os teus dias se prolonguem. Portanto, Israel, escuta e tem cuidado em cumprir o que será bom para ti e vos fará multiplicar muito na terra onde corre leite e mel, como te prometeu o Senhor, Deus dos teus pais. Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Estes mandamentos que hoje te imponho estarão no teu coração.
2ª Leitura - Da Carta aos Hebreus
Além disso, aqueles sacerdotes eram numerosos porque a morte os impedia de continuar, mas este, porque permanece eternamente, possui um sacerdócio que não acaba. Sendo assim, Ele pode salvar de um modo definitivo, os que por meio dele se aproximam de Deus, pois Ele está vivo para sempre, a fim de interceder por eles. Tal é, com efeito, o Sumo Sacerdote que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos céus, que não tem necessidade, como os outros sacerdotes, de oferecer vítimas todos os dias, primeiro pelos seus próprios pecados e depois pelos do povo, porque Ele o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo. A Lei, com efeito, constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à debilidade; mas a palavra do juramento, posterior à Lei, constitui o Filho perfeito para sempre.
3ª Leitura - Do Evangelho de Marcos
Aproximou-se dele um escriba que os tinha ouvido discutir e, vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.
 
Comentário às Leituras
Um Amor Inteiro e Único...
 
I. Durante a caminhada de libertação do Egipto, o Povo foi compreendendo que Deus o elegia para uma Aliança. Por mediação de Moisés, foi começando a formar a “Lei de Deus” que era a maneira prática de realizar essa Aliança de Gratidão e Fidelidade com o Deus Libertador.
Para serem fiéis à Lei de Deus e ao Deus da Lei, eram especialmente importantes os Dez Mandamentos.
Para não deixarem morrer a Gratidão pela libertação, tinham lugar central a oração diária do Shêmá Israel (“Escuta Israel”, três vezes por dia) que é um apelo a amar inteiramente o Deus Único. Com efeito, reconhecemos na história de Israel que a máxima ingratidão do Povo para com Deus tem sempre a ver com a idolatria, ou seja, com o esquecimento de que Deus é apenas Um, e que não foram libertos do Egipto por nenhum “ídolo”!
Geração após geração, o acontecimento libertador que gera este desejo de Fidelidade e Gratidão começa a ser cada vez mais uma “coisa do passado”. E como não se pode agradecer o que não se experimenta nem se pode ser fiel ao que não se ama…
Então, da lógica do Amor Inteiro e Único (Amor Inteiro: “com toda a vida, coração, forças, entendimento”, ou seja, com todas as dimensões da pessoa; Amor Único: sem idolatrias, sem adultérios com os ídolos e falsos “deuses”) como centro da vivência da Aliança do Povo com o seu Deus, começou a cair-se no ritualismo exterior e no culto sacerdotal que era típico das religiosidades pagãs à volta de Israel.
Reduziu-se a Aliança à Lei! O que se ensinava de geração em geração já não era a Gratidão pela “Mão Libertadora de Deus”, mas a obrigação de Lhe prestar culto para conseguir o perdão dos pecados e garantir uma vida abençoada.
Aconteceu a Israel o que acontece também connosco quando nos distraímos: quando diminui o Amor, aumentam as normas; quanto menos se conhece o Evangelho, mais se sabe de Direito Canónico; quanto mais secos andamos por dentro, mais achamos importantes os “floreados” por fora…
Os profetas foram, durante toda a história de Israel, os grandes resistentes à banalização da Aliança de Deus quando a confundiam com a Lei ou substituíam por holocaustos e sacrifícios no Templo o verdadeiro Amor a Deus que se realiza pela compaixão e pela causa libertadora dos oprimidos!
 
II. No tempo de Jesus o judaísmo já não tinha apenas os Dez mandamentos… A par de centenas de normas próprias do culto do templo, havia a Lei para toda a gente que contava já 613 mandamentos (!!!): 365 eram proibições e 248 eram obrigações!
É neste contexto em que a Aliança de Deus já tinha sido gravemente desfigurada pela prática sacerdotal e pela moral farisaica que um Escriba (perito na Lei) pergunta a Jesus: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos, o maior?”
Esta pergunta surge no dia a seguir a Jesus ter entrado no Templo de Jerusalém e ter corrido os vendilhões à vergastada derrubando-lhes as bancas. Depois deste escândalo profético, o evangelista Marcos narra uma série de “perguntas armadilhadas” que os “chefes da religião do templo” lhe fizeram. Esta parece ser apenas mais uma delas…
Jesus recupera a atitude essencial do Povo de Deus desde a Antiga Aliança: o Amor a Deus vivido de maneira Inteira (sem separações entre crer-querer-ser-ter-fazer…) e de maneira Única (sem idolatrias). Depois, seguindo a linha profética de toda a história, diz que a verdade do Amor a Deus acontece na prática do Amor Fraterno. Caim não pode dizer que ama a Deus enquanto continuar a invejar e a matar Abel!
É assim mesmo que rezamos: ao dizer Pai-Nosso estamos a reconhecer todos os Homens como irmãos; e ao dizer Pão-Nosso estamos a comprometer-nos com a construção concreta dessa fraternidade. A oração explicita o apelo à fraternidade, mas só a partilha concreta a realiza! “Quem diz que ama a Deus mas não ama o seu irmão, é mentiroso!” (1Jo 4, 20)
O Escriba acolheu bem a resposta de Jesus (“e esta, hein?!”) e até a confirmou com grande Sabedoria: “O Amor Inteiro a Deus que se concretiza no Amor aos irmãos vale mais que todos os sacrifícios e holocaustos!” De facto, este homem “não estava longe da lógica do Reino de Deus”, que é a proclamação de um Mundo Novo segundo as Bem Aventuranças.
“E ninguém mais se atrevia a perguntar nada a Jesus”… Claro! A resposta seria mais ou menos esta: “Mas qual é a parte que não percebeste?!”
 
III. A Carta aos Hebreus nas últimas semanas tem-nos falado sempre de Jesus Cristo como Sacerdote (mediador entre Deus e os Homens) em contraposição com os Sacerdotes do Templo da Antiga Aliança. Em Cristo revela-se o “culto da Nova Aliança”, o único que agrada a Deus: “Eis que venho, ó Pai, para fazer a Tua Vontade. Aboliu assim o primeiro culto (sacrifícios e holocaustos do Templo) e inaugurou o segundo (fazer a Vontade de Deus)!” (Heb 10, 8-9). Quem revela e inaugura este “culto da Nova Aliança” é o próprio Cristo que, na sua morte-Ressurreição, “vive perpetuamente para interceder por nós”, para nos configurar consigo próprio e nos introduzir na comunhão com Deus, não pelo caminho da Lei mas pela intimidade filial que o dom do Espírito Santo opera em nós!

Sem comentários: