Aproximou-se, Tomou pela Mão, Levantou...

Domingo V do Tempo Comum (B)


1ª leitura: Livro de Job 7, 1-7

Job tomou a palavra, dizendo: «Não vive o homem sobre a terra como um soldado? Não são os seus dias como os de um mercenário? Como o escravo que suspira pela sombra e o trabalhador que espera pelo seu salário, assim eu recebi em herança meses de desilusão e couberam-me em sorte noites de amargura. Se me deito, digo: ‘Quando é que me levanto?’ Se me levanto: ‘Quando chegará a noite?’ e agito-me angustiado até ao crepúsculo. Os meus dias passam mais velozes que uma lançadeira de tear e desvanecem-se sem esperança. Recordai-Vos que a minha vida não passa de um sopro e que os meus olhos nunca mais verão a felicidade».


2ª leitura: Primeira Carta aos Coríntios 9, 16-23

Irmãos: Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória, é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não anunciar o Evangelho! Se o fizesse por minha iniciativa, teria direito a recompensa. Mas, como não o faço por minha iniciativa, desempenho apenas um cargo que me está confiado. Em que consiste, então, a minha recompensa? Em anunciar gratuitamente o Evangelho, sem fazer valer os direitos que o Evangelho me confere. Livre como sou em relação a todos, de todos me fiz escravo, para ganhar o maior número possível. Com os fracos tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dos seus bens.


3ª leitura: Evangelho de Marcos 1, 29-39

Naquele tempo, Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama com febre e logo Lhe falaram dela. Jesus aproximou-Se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. Ao cair da tarde, já depois do sol-posto, trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos e a cidade inteira ficou reunida diante da porta. Jesus curou muitas pessoas, que eram atormentadas por várias doenças, e expulsou muitos demónios. Mas não deixava que os demónios falassem, porque sabiam quem Ele era. De manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu. Retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar. Simão e os companheiros foram à procura d’Ele e, quando O encontraram, disseram-Lhe:«Todos Te procuram». Ele respondeu-lhes: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim». E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demónios.



Comentário às leituras




"Aproximou-se, Tomou pela Mão, Levantou..."


Não deixa de ser desconcertante neste dia a sequência das duas primeiras leituras… Duas páginas tão diferentes da bíblia, assim, seguidas! A primeira, de Job, um dos lamentos mais desencantados, abatido dentro do seu sofrimento por um sofrimento ainda maior que é a experiência do absurdo, do sem sentido da vida, do abandono da esperança… A segunda, de Paulo aos Coríntios, uma das exultações mais apaixonadas e agradecidas do Apóstolo por ver-se eleito para anunciar a todos com a própria vida o Dom Salvador de Deus realizado no Cristo Jesus!

Ambos falam de si mesmos como “escravos”! Job diz, desencantado, que a sua vida é como a vida de um escravo e que dela não espera mais que a sombra, o descanso. Mas, em vez de sombra e descanso, sente que recebeu desilusão e amargura. Paulo, por sua vez, diz que, sendo livre se faz escravo de todos para que o Evangelho de Jesus ganhe a muitos, através de si!

Job fala de si como um trabalhador que só espera da vida receber o seu salário mas, mais uma vez, sente que na sua vida não há mais que desilusão e amargura. Paulo, por outro lado, diz que anuncia gratuitamente o Evangelho e não faz valer os direitos que ele lhe confere!

A mim, pessoalmente, encontrar-me face a face com estes dois homens assim tão de seguida inspira-me um forte silêncio… pede-me que olhe bem para o que sentem, que tente entrar no mundo das palavras que dizem… e, entretanto, me vá dando conta que tenho a minha vida nas minhas próprias mãos…

Convido-te a esse silêncio também. Pára um pouco e conversa com estes dois homens…


(…)








Na semana passada escutámos Jesus a anunciar o Acontecimento do Reino de Deus: “O Reino de Deus está Próximo!” Hoje é altura de o VERMOS em acção, percebermos de verdade que este Reino não é uma doutrina para acreditar mas uma ACÇÃO de Deus que há que ver, acolher e seguir. Uma das linguagens mais fortes nos evangelhos para manifestar a presença do Reino de Deus é a das Curas.

Como sabemos, as causas das doenças, naquela cultura pré-científica, eram atribuídas a espíritos impuros ou demónios que se apoderavam das pessoas. Ou, noutros casos, eram consideradas castigo de Deus por algum pecado grave. Por isso, quando os evangelistas, que vivem e falam dentro desta cultura, narram os gestos de Jesus a Curar pessoas, não estão a dizer que ele é um curandeiro, mas sim a anunciá-lo como Libertador do mistério do mal que desumaniza as pessoas e instrumento de Deus que só tem poder para Salvar e fazer o Bem, não para castigar e fazer mal.

Na mentalidade bíblica entende-se a Humanidade não como o conjunto ou a soma de todas os indivíduos, mas sim como um Corpo! Para dizer “humanidade”, em linguagem bíblica, diz-se “toda a Carne”, como se fosse impossível uma pessoa entender-se isoladamente, mas apenas formando um Corpo vivo com todas as outras.

Além disso, o pecado também não é simplesmente a desobediência a uma norma, mas uma realidade mais profunda, como uma doença que a Humanidade leva no seu íntimo, uma força dentro de nós que nos enfraquece… Sim, uma força que nos enfraquece…

Percebendo esta linguagem da Humanidade como Corpo e do Pecado como Doença, perceberás melhor a Boa Notícia das curas nos evangelhos: o Corpo começa a ser Curado pela Força do Espírito Santo! É uma Força verdadeira, que fortalece, cura, salva, dá vida! E luta no nosso íntimo com a força que enfraquece, a Força do Homem Velho, que é o nosso Pecado.

O evangelho de Marcos como que narra esta luta de Jesus contra a Força do Pecado no ser humano, as forças do Anti-Reino de Deus que é um Reino de pessoas Livres, Amadas, Curadas, Salvas, Irmãs. O Re-Suscitado partilha com todos o que experimentou do Pai na sua própria ressurreição… Por isso ele mesmo se Aproxima, Toma pela mão e Levanta para a Vida! Estamos todos simbolizados na sogra de Pedro.

A maneira concreta de acolher este Dom Salvador de Deus na nossa Vida é colocarmo-nos também ao Serviço deste Reino que se concretiza nos irmãos… Paulo dizia: “Sendo Livre, faço-me escravo…” Marcos disse da sogra de Pedro: “Ficando curada, pôs-se a servi-los…”

O caminho está apontado.

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