O que Deus prefere… e esta, hein?!

Domingo X do Tempo Comum (A)

1ª Leitura - Do Livro de Oseias
Os 6,3b-6


«O Senhor virá para nós como a chuva,
como a chuva da Primavera que irriga a terra.»
Que posso fazer por ti, ó Efraim?
Que posso fazer por ti, ó Judá?
O vosso amor é como a nuvem da manhã,
como o orvalho matutino que logo se dissipa.
Por isso os castiguei duramente pelos profetas,
e os matei pelas palavras da minha boca,
e o meu julgamento resplandece como a luz.
Porque Eu quero a misericórdia
e não os sacrifícios,
o conhecimento de Deus mais que os holocaustos.

2ª Leitura - Da Carta de Paulo aos Romanos
Rm 4,18-25


Foi com uma esperança, para além do que se podia esperar, que ele acreditou e assim se tornou pai de muitos povos, conforme o que tinha sido dito: Assim será a tua descendência. Sim, ele não vacilou na fé ao ver como o seu corpo já estava sem vida - com quase cem anos - como sem vida estava o seio de Sara. Diante da promessa de Deus, não duvidou por falta de fé. Pelo contrário, tornou-se mais forte na fé e deu glória a Deus, plenamente convencido de que Ele tinha poder para realizar o que tinha prometido. Esta foi exactamente a razão pela qual isso lhe foi atribuído à conta de justiça. Não é só por causa dele que está escrito foi-lhe atribuído, mas também por causa de nós, a quem a fé será tida em conta, nós que acreditamos naquele que ressuscitou dos mortos Jesus, Senhor nosso, entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado para nossa justificação.

3ª Leitura - Do Evangelho de Mateus
Mt 9,9-13


Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-o. Encontrando-se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus discípulos. Os fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?» Jesus ouviu-os e respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.»




Comentário às Leituras
"O que Deus prefere… e esta, hein?!"


1. Os profetas de Israel sempre interpretaram os acontecimentos mais dolorosos da história do seu povo como castigo pela infidelidade. Deus tinha tomado a iniciativa da Aliança, iniciativa cheia de Amor e Bondade. A vontade de Deus a respeito do povo coincidia, por isso, com o bem para todos. Se as pessoas se afastassem da Aliança de Deus, estavam a afastar-se do seu próprio bem e a construir caminhos de injustiça, falsidade, domínio e opressão que acabavam sempre por levar a conflitos graves e submissão a outros povos.

A verdade é que o castigo faz parte da lógica do pecado, não como acção de Deus, mas como consequência das opções no sentido do mal. O Profeta Oseias, na primeira leitura, vive um período em que fazia esta leitura da realidade… O Povo estava dividido numa guerra fratricida entre as tribos do Norte e as tribos do Sul. Terminado o conflito, abre-se um tempo de renovação dos Corações, um tempo de conversão.

É aí que actua o Profeta… Em nome de Deus, proclama que a conversão que interessa a Deus não é “religiosa”, não é “cultual”, mas uma mudança de atitudes entre as pessoas: “Eu quero a misericórdia (nas relações) e não os sacrifícios (no Templo), o conhecimento de Deus mais do que os holocaustos”…

Um Deus Diferente, Novo e Livre… eis o rosto de Deus que está sempre a surpreender-nos ao longo da história bíblica… um Deus que não encaixa naquilo que dizemos d’Ele, que ultrapassa sempre, que modifica as nossas certezas e Se revela amante do que tantas vezes nós consideramos menos importante…

2. Jesus é o acontecimento máximo desta surpresa de Deus para nós! O Messias Esperado afinal… saiu bem Inesperado!!!

No pedaço de evangelho de hoje, temos a narração do chamamento de Mateus, o cobrador de impostos. O objectivo não é contar como é que Jesus chamou Mateus ou como chama os seus discípulos, mas anunciar A QUEM é que ele chama! Que imprevisível, este Messias, que conta com os que não contam para ninguém… Chamar para discípulo um cobrador de impostos, ou seja, um odiado, um pecador público, aos olhos de toda a gente um “caloteiro”, um vendido aos romanos e traidor do seu povo!

Era esperado um Messias puríssimo entre os puros, e cuja acção iria exterminar todos os impuros do seio do seu povo. Porque Deus queria acabar com o pecado, o Seu Messias havia de acabar com os pecadores. Esta era a lógica, tão nossa, tão nossa…

Em vez disso, Jesus de Nazaré é o amigo de pecadores públicos, cobradores de impostos e prostitutas! Em nome do Deus que quer acabar com o pecado, recria os pecadores! O pecado não se destrói pela destruição do pecador, mas pela sua recriação. O Perdão é a força que destrói o pecado no íntimo do Coração do pecador. Esta é a Justiça de Deus que tantas vezes fala São Paulo: a Justiça que nos Justifica, não a justiça que nos julga e com a qual nos julgamos uns aos outros.

3. Depois da escolha inesperada de Mateus, Jesus realiza um dos grandes sinais da presença do Reino de Deus entre nós: senta-se à mesa com “a laia” de Mateus… A mesa é o lugar da convivialidade, da festa, da partilha, da amizade… lugar da familiaridade nova de Deus connosco revelada em Jesus… “Sentar-se à mesa com eles” é uma das linguagens mais fortes para anunciar a proximidade do Reino de Deus nos evangelhos. E o grande anúncio continua a ser o mesmo: COM QUEM é que Jesus comia estas refeições…

Ainda hoje celebramos o Memorial da Nova Aliança de Deus connosco à volta da mesa comum, a Mesa da Palavra de Deus, do Pão e do Vinho dos irmãos. Os fariseus ficaram escandalizados com Jesus… Coisa típica dos fariseus, ainda hoje. “Fariseus” significa, em hebraico, “santos”, “separados”… E imaginavam Deus “santo” como eles, com uma “santidade” que consistia na “separação” de todos os impuros e pecadores, pelo menos assim chamados segundo as suas próprias leis, lógicas devoções e rituais!

Mas a Santidade de Deus não é a dos fariseus, é a de Jesus! A Santidade de Deus não consiste na “separação” do que não é “santo” mas no poder de Santificar, no poder de Amar sem medida e sem condições com um Amor capaz de fazer o milagre maior que é converter um Coração libertando-o do pecado e curando-o do egoísmo.

Esta é a Santidade de Deus, aquela a que nós estamos chamados, e não aquela “santidadezinha” piedosa, piegas, sempre de mãos limpinhas, essa “santidadezinha bem-cheirosa” mais ao jeito dos fariseus do que de Jesus… E isto pode fazer-nos pensar no que se vive nas nossas comunidades… Quantas coisas se dizem e se ouvem…

Nos evangelhos, os fariseus andam quase sempre “a murmurar”… E nas nossas comunidades?! As escolhas de Jesus, as suas companhias, os seus critérios… não continuam a escandalizar-nos a todos?! Pois é… Como é que podemos fazer das nossas comunidades lugares mais acolhedores para todos os “Mateus” do nosso tempo e para todos os da “sua laia”? Quando nos comportaremos como o Mestre?...

Ajuda-nos, Senhor! Sozinhos, não somos capazes.

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