Da Família de Nazaré à Família Divina...

Domingo da Sagrada Família de Nazaré (C)
1ª Leitura - Do Livro de Ben-Sirá

Deus quis honrar os pais nos filhos
e firmou sobre eles a autoridade da mãe.
Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados
e acumula um tesouro quem honra sua mãe.
Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos
e será atendido na sua oração.
Quem honra seu pai terá longa vida,
e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe.
Filho, ampara a velhice do teu pai
e não o desgostes durante a sua vida.
Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele
e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida,
porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida
e converter-se-á em desconto dos teus pecados.
2ª Leitura - Da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses

Irmãos:
Como eleitos de Deus, santos e predilectos,
revesti-vos de sentimentos de misericórdia,
de bondade, humildade, mansidão e paciência.
Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,
se algum tiver razão de queixa contra outro.
Tal como o Senhor vos perdoou,
assim deveis fazer vós também.
Acima de tudo, revesti-vos da caridade,
que é o vínculo da perfeição.
Reine em vossos corações a paz de Cristo,
à qual fostes chamados para formar um só corpo.
E vivei em acção de graças.
Habite em vós com abundância a palavra de Cristo,
para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros
com toda a sabedoria;
e com salmos, hinos e cânticos inspirados,
cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão.
E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras,
seja tudo em nome do Senhor Jesus,
dando graças, por Ele, a Deus Pai.
Esposas, sede submissas aos vossos maridos,
como convém no Senhor.
Maridos, amai as vossas esposas
e não as trateis com aspereza.
Filhos, obedece em tudo a vossos pais,
porque isto agrada ao Senhor.
Pais, não exaspereis os vossos filhos,
para que não caiam em desânimo.

3ª Leitura - Do Evangelho de Lucas

Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém,
pela festa da Páscoa.
Quando Ele fez doze anos,
subiram até lá, como era costume nessa festa.
Quando eles regressavam, passados os dias festivos,
o Menino Jesus ficou em Jerusalém,
sem que seus pais o soubessem.
Julgando que Ele vinha na caravana,
fizeram um dia de viagem
e começaram a procurá-l’O entre os parentes e conhecidos.
Não O encontrando,
voltaram a Jerusalém, à sua procura.
Passados três dias,
encontraram-n’O no templo,
sentado no meio dos doutores,
a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas.
Todos aqueles que O ouviam
estavam surpreendidos com a sua inteligência e as suas respostas.
Quando viram Jesus, seus pais ficaram admirados;
e sua Mãe disse-Lhe:
«Filho, porque procedeste assim connosco?
Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura».
Jesus respondeu-lhes:
«Porque Me procuráveis?
Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?»
Mas eles não entenderam as palavras que Jesus lhes disse.
Jesus desceu então com eles para Nazaré
e era-lhes submisso.
Sua Mãe guardava todos estes acontecimentos em seu coração.
E Jesus ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça,
diante de Deus e dos homens.

Domingo da Sagrada Família
 Da Família de Nazaré à Família Divina
Jesus, foste um menino bem amado na tua casa de Nazaré! O que conhecemos das tuas andanças pelas terriolas palestinenses do teu tempo mostram-nos isso claramente. Só um menino bem amado chega a ter um Coração do tamanho do teu!
Como quase todos os meninos, nasceste no seio de uma família. Tinhas pai, tinhas mãe, e os evangelhos que os teus amigos depois escreveram da tua Vida falam-nos também dos teus irmãos. Lá em Nazaré, quando as mulheres da aldeia iam visitar a tua mãe e a ti, ou mais tarde enquanto brincavas nas ruas com as outras crianças, ninguém podia imaginar o mistério de comunhão humano-divina que o Espírito Santo animava no teu Coração…
Tu próprio precisavas ainda de “crescer em sabedoria, em estatura e em graça” (Lc 2, 52) para que esse mistério do teu Coração exigisse toda a tua fidelidade e ganhasse a força de uma missão…
Os evangelhos pouco nos falam de José e de Maria, mas nós temos a certeza de que eles se amavam muito e te amavam muito, porque o Espírito Santo encontrava neles aquela disponibilidade e verdade que é típica dos Corações dos Profetas.
Sabes, Jesus, hoje há muitas famílias em que os pais não se amam. Cada um dos pais quer amar muito os seus filhos, e eu acredito que amam mesmo. Mas não se amam entre si, e isso não é bom! Não basta cada um dos pais amar os seus filhos. A melhor maneira de amar os filhos é os pais amarem-se entre si! Tu bem sabes como isso é importante…
Gostava muito que todas as famílias que eu conheço tivessem o Coração aberto à Sabedoria do Espírito Santo, como a tua, para que, com Perdão e Criatividade, redescobrissem o Amor que havia entre eles ao princípio.
Como seria o dia-a-dia na tua Família de Nazaré? Tenho a certeza que Maria cantava para ti. Cantigas populares e salmos, com certeza. E José narrava-te as grandes epopeias do teu Povo. Gosto de imaginar como ele o fazia… Ele que era da tribo de Judá, descendência de David, devia arder de esperança com a chegada do Reino Messiânico (Lc 1, 27).
Não sei porquê, imagino que José sabia trabalhar quase tão bem as palavras como as madeiras e tinha jeito para contar histórias… Acho que aprendeste com a tua mãe o encanto do silêncio, a perícia de olhar os outros e vê-los realmente, a arte de “guardar tudo no Coração” (Lc 2, 51)… E com o teu pai aprendeste a contar histórias, a criar parábolas, a usar bem as palavras para pôr a Vida a falar …
Tiveste muita sorte, Jesus, porque no teu tempo ainda não havia televisão nem videojogos! Por isso tu e os teus pais podiam fazer todas estas coisas. Até havia tempo para conversar! Hoje quase não se conversa. A televisão enche a nossa cabeça de “histórias”, mas a nossa Vida tem cada vez menos História para contar!
Olha que já há crianças que nunca ouviram uma única história contada pelos pais. As que sabem aprenderam-nas na escola ou na televisão.
Há pais que nunca cantaram com os filhos, nem rebolaram com eles na areia ou na relva. Conheço pais que têm vergonha de cantar cantigas ou fazer brincadeiras infantis à frente dos seus filhos! Acreditas nisto, Jesus?! Acho que este é um dos motivos pelos quais hoje há muitos meninos que não são felizes, e depois crescem e tornam-se adultos que não são capazes de fazer ninguém feliz!
À medida que tu foste crescendo, foste percebendo o valor de todas as coisas. Foi em casa que começaste a descobrir o valor da Verdade, da Justiça, da Partilha, da Liberdade, da Igualdade entre as pessoas… Porque tudo isto que tu anunciaste não se aprende aos 30 anos!
Enquanto ias com a tua mãe à fonte ou com o teu pai entregar uma mesa, bem vias o modo como eles tratavam toda a gente. Ouvias a tua mãe a conversar com as mulheres junto ao poço e percebias a sabedoria e a disponibilidade com que ela acolhia e falava. Vias como o teu pai cobrava os trabalhos que fazia e aprendias com ele o que é a verdadeira Justiça sempre que ele cobrava menos àqueles que ele sabia serem mais pobres. Depois, lá em casa, davas-te conta da maneira delicada como falavam de todas as pessoas, sem as julgarem nem dizerem coisas diferentes nas suas costas das que lhes tinham dito antes.
Tenho a certeza de que muito do teu Evangelho foi treinado em Nazaré! Tenho a certeza de que muitas das coisas que tu dizias eram acompanhadas no íntimo da tua mente pela memória doce de alguns acontecimentos lá de casa… Tenho a certeza de que quando dizias “Bem Aventurados os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 28) te lembravas deles.
Gostava muito que todas as famílias que eu conheço fossem boas escolas de Valores. Nós distorcemos muitas coisas, Jesus… O valor das coisas, por exemplo, passou a ser o preço delas! Por isso conheço pais que investem nos seus filhos mais dinheiro do que tempo, verdade e atenção!
Sabes o que dizem, Jesus? “A vida está difícil!” E eu sei que está, Jesus, mas nós às vezes também nos fartamos de complicar!!! Gastamo-nos e desgastamo-nos para construirmos castelos encantados, perfeitos e grandiosos, e nem reparamos que não há ninguém feliz a viver lá dentro!
Como eu gostava de apreciar um serão lá na tua casa de Nazaré… E também gostava de pôr-me a caminho contigo numa das idas anuais que vocês faziam a Jerusalém. Essa peregrinação era uma tradição nacional em que todo o Povo se dirigia ao Templo com as suas ofertas e sacrifícios.
Os teus olhos de criança deviam ficar impressionados com tanta grandeza e com a confusão de tamanha multidão! À noite, no acampamento, cantava-se e dançava-se pela noite fora. Intuías já no teu Coração que Deus, aquele a quem chamavas “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, um Deus de Vivos e não de mortos” (Mc 12, 27), estava mais presente na festa do Seu Povo simples do que no cheiro pestilento de sangue e carne queimada do Templo…
Começavas, então, a perceber melhor as palavras dos Profetas antigos… Tu já as conhecias, porque as lias e escutavas todas as semanas na Sinagoga, mas ainda não tinhas pressentido todo o seu alcance. Nos séculos passados do teu Povo tinham sempre surgido Profetas que denunciavam a superficialidade quase idolátrica do culto do Templo e apontavam ao Povo o caminho da conversão, o retorno à Aliança com Deus, que dependia da Justiça, da Verdade e da Partilha entre todos, e não na compra dos favores de Deus com bodes e novilhos. Esses Profetas formavam ao longo da história do teu Povo o chamado “Resto Fiel”…
O que o teu Coração ia intuindo movido pelo Espírito Santo, era o que os teus olhos viam lá em casa! José e Maria eram pessoas centradas na Aliança de Deus e não no cumprimento ritual de preceitos e normas de fariseus. Eram verdadeiros com Deus, consigo próprios e contigo! Por isso foram mediação privilegiada do Espírito para moldar o teu Coração na Verdade e na Liberdade, diante de Deus e dos Homens.
Hoje, Jesus, perturba-me muito ver o que acontece à minha volta, nesta Igreja que é tua: pais que impõem aos filhos a catequese segundo o teu Evangelho, mas que não dão dele um mínimo testemunho sequer. Tu não lhes interessas, a tua Igreja não é a deles e o teu Evangelho é uma fábula vazia de importância, mas querem ainda assim que os filhos andem na catequese e façam as “festinhas” todas. Nem percebem que estão a transmitir-lhes uma enorme mentira! E não é só com isto…
Muitos exigem dos filhos o que eles não são nem lhes dão! Outros obrigam-nos a fazer em algumas circunstâncias o que lhes proíbem noutras. Conheço pais que até obrigam os filhos a mentir para se protegerem a si próprios em determinadas situações!!!
Estas coisas doem-me muito, Jesus, porque assim estamos a virar tudo do avesso…
Gostava de levar todos os meus amigos à tua casa de Nazaré para aprendermos juntos o que é Viver e Educar na Verdade! Gostava que descobríssemos mais profundamente essa Verdade que tu dizias que faz de nós pessoas Livres! (Jo 8, 32)
À medida que foste crescendo sempre “em sabedoria, estatura e graça”, o Espírito foi-te conduzindo à consciência de que a Verdade tinha um alcance maior que as paredes da tua casa e ultrapassava até as fronteiras de Nazaré… Começaste a sentir-te parte do Resto Fiel do teu Povo, a parcela de Israel que não se deixava cair nas idolatrias legalistas e cultuais de Jerusalém, mas se mantinha fiel à Aliança do Deus que prometia “fazer novas todas as coisas” (Ap 21, 5)…
Pela mediação dos teus pais, pela mediação dos Profetas da escritura e pela mediação de João Baptista, o Espírito Santo conduziu-te à consciência plena da tua Missão Messiânica. Foi numa das temporadas que passavas junto de João, junto ao rio Jordão. Voltaste à casa de Nazaré para partir de novo, dessa vez com uma missão! Não tinhas deixado de amar a tua família, mas tinhas percebido que o Espírito Santo te chamava a construir uma Nova Família, já não nos laços do sangue, mas nos laços do Espírito.
Este sonho de Deus semeado no teu íntimo tornou-se o centro da tua pregação desde o princípio. Chamavas-lhe Reino de Deus. Os evangelistas falam disso de muitas maneiras, às vezes até com palavras bem duras: “Quem não renunciar ao pai e à mãe por causa do Evangelho, não é digno de mim!” (Mt 10, 37)
O Lucas diz isso de maneira mais terna, com a história em que ficaste no Templo, com 12 anos, e os teus pais te perderam. Quando regressaram perguntaram porque lhes tinhas feito tão grande partida, e tu respondeste que estavas “na casa do teu Pai” (Lc 2, 49).
De muitas maneiras os evangelistas nos dizem que o centro das tuas palavras e das tuas parábolas era a primazia dos laços do Espírito sobre os laços do sangue como condição essencial para construir o Reino de Deus. Sim, porque o Reino de Deus não é uma questão de raça, nação ou cultura, mas sim de comunhão no mesmo Espírito!
Tu que deixaste a Família de Nazaré para iniciar a itinerância messiânica, qual foi a primeira coisa que fizeste? Escolheste discípulos para andarem contigo. Oh, Jesus, não és mesmo capaz de viver sem Família!!!
Com os teus discípulos, iniciaste a Família nos laços do Espírito, e revelaste-nos progressivamente a sua plenitude: Deus-Família!
Depois da experiência pascal, os teus discípulos foram compreendendo que o Deus de quem eras Revelação e Realização máxima era uma Família. Vivias e falavas como um Filho bem amado do seu Pai querido, e prometias aos teus o Espírito Santo como Aquele que nos introduziria também neste diálogo familiar!
Sim, Jesus, percebemos em ti que Deus é uma Família em que o Amor acontece em plenitude: Amor-Dom (Pai), Amor-Acolhimento (Filho) e Amor-Reciprocidade (Espírito Santo).
Do princípio ao fim da tua história falamos sempre a mesma linguagem, a linguagem do Amor Familiar: da Família de Nazaré à Família Divina, passando pelo Evangelho do Reino de Deus que é a construção da Família nos laços do Espírito Santo, que derrota as ambiguidades e as violências dos laços do sangue.
Nós te louvamos, Jesus de Nazaré, Jesus do Mundo, Jesus de Deus, neste tempo de Natal, porque no mistério da tua Encarnação-Ressurreição te tornaste o ponto de encontro entre o Divino e o Humano, o Inaugurador da Nova e Eterna Aliança que é a União Familiar Humano-Divina pelo vínculo do Espírito Santo e pela tua Mediação.
Já somos da Família de Deus, Jesus, pela tua Fidelidade!
Tu que nos disseste que “prepararias para nós um lugar aí na Casa do teu Pai” (Jo 14, 2), dá-nos a Sabedoria de não vivermos com órfãos nem desterrados, mas como filhos bem amados, como tu, a caminho “aí de Casa”…
ALELUIA!
Chegou a Plenitude dos Tempos!

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