A LUZ a meio da noite...

Missa do Galo (C)
1ª Leitura - Do Livro de Isaías
O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles. Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo; alegram-se diante de ti como os que se alegram no tempo da colheita, como se regozijam os que repartem os despojos. Pois Tu quebraste o seu jugo pesado, a vara que lhe feria o ombro e o bastão do seu capataz, como na jornada de Madian. Porque a bota que pisa o solo com arrogância e a capa empapada em sangue serão queimadas e serão pasto das chamas. Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz. Dilatará o seu domínio com uma paz sem limites, sobre o trono de David e sobre o seu reino. Ele o estabelecerá e o consolidará com o direito e com a justiça, desde agora e para sempre. Assim fará o amor ardente do Senhor do universo.
2ª Leitura - Da Carta de São Paulo a Tito 
Com efeito, manifestou-se a graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens, para nos ensinar a renúncia à impiedade e aos desejos mundanos, a fim de vivermos no século presente com sobriedade, justiça e piedade, aguardando a bem-aventurada esperança e a gloriosa manifestação do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo. Ele entregou-se por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade e de purificar e constituir um povo de sua exclusiva posse e zeloso na prática do bem.
3ª Leitura - Do Evangelho de Lucas
Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria. Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.»
 
Comentário às Leituras
MISSA DA MEIA NOITE (Natal de Jesus)
Nas duas noites por excelência em que a Comunidade Cristã se reúne para celebrar, centramo-nos no símbolo da Luz. Na Vigília Pascal a Luz é a Ressurreição de Jesus, como o Big-Bang de uma Nova Criação, não já de ordem material-cósmica mas espiritual-pessoal, a Nova Luminosidade que é fruto do dom universal do Espírito Santo. Na noite de Natal, a Luz é símbolo da realização da Esperança Messiânica.
O nascimento de Jesus inaugura a “Plenitude dos Tempos” (Gal 4, 4), diz Paulo, como se a História do Povo de Deus e a própria História Humana estivessem a gerar há muito no seu seio Vida Nova.
O Profeta Isaías escreve esta profecia da Luz que ilumina e dissipa as trevas num contexto muito complicado: desde o neto de David, Roboão, que a unidade nacional do Povo de Deus estava rasgada. Duas tribos apenas tinham ficado a formar o Reino de Judá [no Sul] e as outras dez formavam o Reino de Israel [no Norte]. Por volta de 720 a.C. o Reino de Israel ameaçou invadir o Reino de Judá. Eis como continua sempre a história de Caim a matar Abel, irmãos contra irmãos… Então, o Reino de Judá pede ajuda ao Império da Assíria que, em troca de muitos tesouros do Templo de Jerusalém, aceita invadir o Reino de Israel para que, destruindo-o e levando-o para o cativeiro, Judá se visse livre do “inimigo”.
No entanto, a guerra fratricida acaba sempre por dar maus resultados… O Profeta Isaías reconhece que, geração após geração, os descendentes de David que se sentavam no trono do Reino de Judá [Judá era a tribo de David] não são fiéis à Unção do Espírito que recebem na sua entronização e não realizam o projecto de Deus.
Ainda assim, em vez de apelar à desistência ou à resignação, apela à Esperança!
Na figura do “menino que nasceu e nos foi dado” o Profeta corporiza a sua Esperança na Fidelidade de Deus e na realização definitiva do Seu SHALOM prometido a Israel. Sim, o Messias era esperado por Isaías como o inaugurador do SHALOM para o seu Povo, um Reino não à moda de Judá ou de Israel, mas um Reino à moda de Deus! Por isso, um Reino em que sejam lei a Paz, a Igualdade e a Justiça.
No entanto, na Hora da Luz, no tempo da manifestação messiânica, “não havia lugar para ele” lá nas casas iluminadas de Belém…
Belém era a Cidade de David e José era da sua descendência, membro da tribo de Judá. Com esta linguagem o que os evangelistas estão a dizer é que Jesus é o Messias que há muito o Povo esperava…
Os “Evangelhos da Infância de Jesus” [os dois primeiros capítulos de Mt e Lc] não são crónicas do nascimento do Messias mas anúncios pascais do Evangelho.
A pergunta a que os evangelhos da Infância respondem é: “Quais são as condições para que o Reino de Deus aconteça entre nós?”
Mateus fala de Jesus como o Novo Moisés, o princípio da Nova Lei que é a das Bem Aventuranças. Como legislador definitivo de Deus, Mateus fala do nascimento de Jesus numa casa e da visita que recebe de três importantes magos do oriente com dons preciosos, símbolo da universalidade da Nova Aliança.
Lucas, no entanto, anuncia Jesus como a Revelação e a Realização plenas da Ternura de Deus e do Seu Amor preferencial pelos não-amados! Por isso “não há lugar para ele” e tem que nascer num estábulo. Depois, a visita que recebe é a dos pastores, uma classe extremamente marginalizada no tempo, que nem sequer podia frequentar o Templo de Jerusalém nem ser testemunha em tribunal.
Além destes, aparecem os anjos a cantar. O que nos diz isto? Na Hora da luz une-se o Mundo de Deus e o Mundo dos Pobres!
É muito bonito compreender o nascimento de Jesus com este pano de fundo…
A condição para que hoje continuemos a celebrar o nascimento de Jesus de maneira a renascermos com ele é estarmos abertos ao mundo de Deus e ao Mundo dos Pobres.
O nascimento de Jesus é o ponto de encontro do Divino com o Humano que no seu Coração acontecia pela unidade do Espírito Santo. E nós sabemos por todo o Evangelho do Ressuscitado que a “Plenitude dos Tempos” abre a História Humana à Eternidade de Deus, mas também a uma Nova História, uma Nova Maneira de ser Mundo!
O Nascimento-Renascimento de Jesus [Natal-Páscoa] incorpora a Família Humana na Família Divina pelo dom universal do Espírito. Mas isto não pode nunca desligar-se do anúncio das Bem Aventuranças como sonho de uma Nova Humanidade, nem das parábolas do Reino que audazmente proclamam a Igualdade e a Justiça como único critério de salvação.
Não somos capazes de passar da morte à Vida, das trevas à “Luz Admirável”, sem deixarmos que os Mensageiros do Mundo de Deus nos rasguem o Coração e semeiem em nós esta Esperança: “Não tenhais medo! Anuncio-vos uma grande Alegria, para vós e para todos: nasceu-vos hoje um Salvador!”
Depois acrescenta que esse Salvador o encontramos como “menino deitado numa manjedoura”… Ontem, Hoje e Sempre, quem o quiser procurar entre os “importantóides” do mundo ou sentado à mesa dos ricos, terá acreditado e esperado em vão…

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