"Que devemos fazer?!" Dá que pensar, não dá?...

Domingo III do Advento (C)
1ª Leitura - Do Livro de Sofonias
Rejubila, filha de Sião, solta gritos de alegria, povo de Israel! Alegra-te e exulta com todo o coração, filha de Jerusalém! O Senhor revogou as sentenças contra ti, e afastou o teu inimigo. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti. Não temerás mais a desgraça. Naquele dia, dir-se-á a Jerusalém: «Não temas, Sião! Não se enfraqueçam as tuas mãos! O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa, como nos dias de festa.»
2ª Leitura - Do Livro de Isaías 
Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos! Que a vossa bondade seja conhecida por todos. O Senhor está próximo. Por nada vos deixeis inquietar; pelo contrário: em tudo, pela oração e pela prece, apresentai os vossos pedidos a Deus em acções de graças. Então, a paz de Deus, que ultrapassa toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus.
3ª Leitura - Do Evangelho de Lucas
Perguntavam as multidões a João Batista: «Que devemos fazer?» Respondia-lhes: «Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e quem tem mantimentos faça o mesmo.» Vieram também alguns cobradores de impostos, para serem baptizados e disseram-lhe: «Mestre, que havemos de fazer?» Respondeu-lhes: «Nada exijais além do que vos foi estabelecido.» Por sua vez, os soldados perguntavam-lhe: «E nós, que devemos fazer?» Respondeu-lhes: «Não exerçais violência sobre ninguém, não denuncieis injustamente e contentai-vos com o vosso soldo.» Estando o povo na expectativa e pensando intimamente se ele não seria o Messias, João disse a todos: «Eu baptizo-vos em água, mas vai chegar alguém mais forte do que eu, a quem não sou digno de desatar a correia das sandálias. Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo e no fogo. Tem na mão a pá de joeirar, para limpar a sua eira e recolher o trigo no seu celeiro; mas queimará a palha num fogo inextinguível.» E, com estas e muitas outras exortações, anunciava a Boa-Nova ao povo.
 
Comentário às Leituras
"Que devemos fazer?!" Dá que pensar, não dá?...
I. O Profeta Sofonias vive num contexto de transição muito acentuada na história do seu Povo, cerca de 500 a.C. O último Rei de Judá tinha sido Manassés, que enchera Jerusalém com imagens de ídolos pagãos, chegando até ao cúmulo de colocar uma imagem da “deusa” Astartê no altar do Templo!
Depois dele reinou Josias, um Rei piedoso que assumiu a missão de restaurar a fidelidade do Povo à Aliança com Iahvéh. Sofonias está na transição destes dois reinados e por isso as suas profecias variam rapidamente dos avisos ameaçadores de destruição para os hinos de restauração e alegria.
O convite que o Profeta faz à Conversão do seu Povo é um convite à Alegria. A causa da Alegria é esta: “Nada tens a temer, porque o teu Deus está no meio de ti! Ele próprio Se alegra por tua causa e recria-te no Seu Amor!”

II. De facto, a Alegria e a ausência de medo são frutos evidentes da presença do Espírito de Deus. Testemunha disto é o Apóstolo Paulo. A segunda leitura de hoje é da Carta aos Filipenses, que foi escrita enquanto o Apóstolo estava preso por causa do Evangelho em Éfeso. Surpreendentemente, é esta Carta, escrita na prisão, o escrito bíblico em que surge mais vezes a palavra “Alegria”!
A Conversão verdadeira, que é a incorporação pessoal no mistério pascal de Jesus, tem sempre a marca da Alegria e da Firmeza. A Passagem [Páscoa] do Homem Velho ao Homem Novo é a Passagem da angústia à Alegria e do medo à Firmeza. Esta Passagem não é um “momento”, mas uma dinâmica contínua de configuração com Jesus pela unidade do Espírito Santo, procura da sua Vontade e assunção dos seus Critérios.
III. “Que devemos fazer?” é hoje a pergunta fundamental do Evangelho. “Que devemos fazer” para chegar a esta Conversão permanente à Alegria e à Firmeza? “Que devemos fazer” para colaborar na Construção do Reino de Deus que está em permanente Advento [Vinda]?
Talvez hoje à pergunta “Que devemos fazer?” muitos no lugar do Profeta ainda mandassem “rezar três ave-marias e um pai-nosso”, ou então mandassem fazer uma “confissão bem feita e comungar” [se o “penitente” em causa não fosse divorciado-recasado, claro, ou não estivesse noutro tipo de “situação irregular” (!!!) porque não se deve “abusar do profetismo”…]
Entretanto, aprendemos com João Baptista que a Fé e a Salvação são inseparáveis da Justiça e do compromisso com os pobres. A Conversão do Homem Velho ao Homem Novo, da angústia à Alegria, do medo à Firmeza, do Baptismo na Água ao Baptismo no Espírito coincide sempre com a Conversão do egoísmo ao Amor.
A tradição católica muitas vezes reduziu o pecado à dimensão individual. Mas a Palavra de Deus aponta-nos sempre primeiro a tentação de enriquecer através de injustiças contra o direito dos pobres ou contra a desigualdade entre as pessoas e de usar continuamente os outros em proveito próprio. Para o Cristão maduro, a Conversão não é simplesmente a luta contra o Pecado Individual, mas contra o Pecado Social. “Quem diz que ama a Deus mas não ama o seu irmão, é um mentiroso!” (1Jo 4, 20) O critério da Salvação que o Evangelho de Jesus nos indica é o da Misericórdia que restabelece a Justiça: “Tive fome e deste-me de comer; tive sede e deste-me de beber; estava nu e vestiste-me; estava doente e na prisão e visitaste-me…” (Mt 25, 31-46)
À pergunta “Que devemos fazer?” o Profeta que derruba os Montes [dos que tem mais do que precisam] e alteia os Vales [dos que não têm o suficiente] responde com atitudes concretas e novas diante da Riqueza e do Poder. É esta a originalidade cristã no mundo que constrói o Reino de Deus, é este o apelo para nós hoje! Uma nova atitude diante da Riqueza e do Poder… Dá que pensar, não dá?... Não só a Riqueza dos Ricos e o Poder dos Poderosos, mas essa Riqueza e Poder que todos temos e que é bem visível no modo como nos relacionamos e ocupamos…
O Profeta não dá respostas extraordinárias que impliquem uma mudança drástica de vida! A cada grupo concreto aponta caminhos quotidianos e evidentes de mudança. Hoje, como Discípulos de Jesus que celebram e realizam o Advento do Mundo Novo que se chama Reino de Deus, o que nos diz o Espírito que façamos?! Ou que deixemos de fazer, talvez…

Sem comentários: