Ver é Caminhar...

Domingo XXX do Tempo Comum (B)
1ª Leitura - Do Livro de Jeremias
Porque isto diz o Senhor: «Soltai gritos de júbilo por Jacob. Aclamai a primeira das nações! Fazei ressoar louvores, exclamando: 'Ó Senhor salva o teu povo, o resto de Israel'. Eis que os trarei do país do Norte, e os congregarei dos confins da terra. O cego e o coxo, a mulher grávida e a que deu à luz, virão entre eles. Hão-de voltar em grande multidão. Entre lágrimas partiram, mas fá-los-ei voltar em grande consolação; conduzi-los-ei às torrentes de água, por caminhos direitos em que não tropeçarão; porque sou para Israel como um pai, e Efraim é o meu primogénito.
2ª Leitura - Da Carta aos Hebreus
Todo o Sumo Sacerdote tomado de entre os homens é constituído em favor dos homens, nas coisas respeitantes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Pode compadecer-se dos ignorantes e dos que erram, pois também ele está cercado de fraqueza; por isso, deve oferecer sacrifícios, tanto pelos seus pecados, como pelos do povo. E ninguém tome esta honra para si mesmo, mas somente quem é chamado por Deus, tal como Aarão. Assim também Cristo não se atribuiu a glória de se tornar Sumo Sacerdote, mas concedeu-lha aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, Eu hoje te gerei. E, como diz noutro passo: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.
3ª Leitura - Do Evangelho de Marcos
Chegaram a Jericó. Quando ia a sair de Jericó com os seus discípulos e uma grande multidão, um mendigo cego, Bartimeu, o filho de Timeu, estava sentado à beira do caminho. E ouvindo dizer que se tratava de Jesus de Nazaré, começou a gritar e a dizer: «Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» Muitos repreendiam-no para o fazer calar, mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem misericórdia de mim!» Jesus parou e disse: «Chamai-o.» Chamaram o cego, dizendo-lhe: «Coragem, levanta-te que Ele chama-te.» E ele, atirando fora a capa, deu um salto e veio ter com Jesus. Jesus perguntou-lhe: «Que queres que te faça?» «Mestre, que eu veja!» - respondeu o cego. Jesus disse-lhe: «Vai, a tua fé te salvou!» E logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.
 
Comentário às Leituras
Ver é Caminhar...
I. A primeira leitura, do livro de Jeremias, é um anúncio festivo de libertação feito pelo Profeta ao Povo de Israel que se encontrava exilado na Assíria, cerca de 700 anos antes de Cristo. A liberdade é anunciada pelo Profeta como um dom gratuito e amoroso de Deus, não como uma conquista humana segunda a força do mundo.
Por isso o profeta fala dos cegos, dos coxos, das grávidas e das que carregam filhos que amamentam. Um grupo nada épico, não achas?! Um Povo incapaz de lutar pela sua liberdade, mas que a vive como um dom! É esta a Palavra de Deus nesta profecia: o Amor Gratuito de Deus pelos mais pobres, a Sua Teimosia em contar com os que não contam, o Dom Incondicional da possibilidade de ser Livre que, ao ser acolhido, nos coloca a Caminho de sermos verdadeiramente Livres. Este Caminho faz-se dentro de nós mesmos…
II. No evangelho de hoje, o cego-mendigo Bartimeu é figura simbólica desta mesma libertação. O seu encontro com Jesus é uma parábola evangélica da adesão pessoal a Jesus Cristo como Mestre, Senhor e Caminho! É importante sabermos que a Igreja primitiva a si própria se chamava “a Via” ou “o Caminho” (Act 19, 23). Ser Igreja significa estar a Caminho com Jesus e em Jesus, que é o Caminho (Jo 14, 6).
Bartimeu estava sentado “à beira do Caminho”, cego e mendigo. “À beira do Caminho ouviu dizer que Jesus ia a passar no Caminho”… Mas, “ouvir dizer” não lhe chegou! É o primeiro passo de uma história de adesão pessoal a Jesus Cristo: “ouvir dizer” não chega!
Chamou por ele, gritando: “Jesus, Filho de David!” Filho de David é um título equivalente a Messias. É muito interessante que este “cego” tenha visto o que outros não viam, aqueles a quem Jesus pouco antes tinha dito: “Tendes olhos, mas não vedes!” (Mc 8, 18)
Bartimeu gritou por Jesus, e aqui começa a procura do Rosto do Mestre, ainda “à beira do Caminho”… Nesta etapa, há que passar pela experiência das provações e das mediações.
As provações são todas aquelas vozes e experiências que nos dizem: “Está calado e quieto! Reduz-te ao que és, resigna-te!” As mediações são aqueles que, no Caminho com Jesus, se dirigem a nós como ponto de encontro com ele: “Vamos, Coragem! Levanta-te, o Mestre está a chamar-te!”
Bartimeu derrotou a voz das provações da Multidão “gritando cada vez mais alto” e acolhendo os apelos das mediações de Jesus… “Atirou fora a capa e, num salto, foi ter com Jesus!” Finalmente, Bartimeu está no Caminho!!! “Deitar fora a capa” e entrar no Caminho (Igreja) é símbolo do Baptismo. Na Igreja primitiva a celebração do Baptismo tinha como primeiro sinal despir-se da roupa que se trazia e deitá-la fora, símbolo do Homem Velho que no encontro com Cristo renasceria Homem Novo!
Desse encontro face-a-face nasce a Visão. A linguagem da Visão é, nos evangelhos, a linguagem da experiência pascal! Sempre que os discípulos fazem experiência de Jesus Ressuscitado, anunciam-na com a linguagem da Visão: “Nós Vimos o Senhor!” (Jo 20, 25). A Visão de Bartimeu é símbolo da experiência pascal dos crentes que vivem o Baptismo no Espírito como dinâmica permanente de Renascimento e passagem da morte à Vida de Cristo Ressuscitado. Por isso na Igreja primitiva o Baptismo se chamava “Sacramento da Iluminação”!
Mas nada está terminado… Tudo começa agora para Bartimeu! “Seguiu Jesus pelo Caminho”… Livre das cegueiras e mendicâncias que se experimentam “à beira do Caminho”. Jesus não lhe deu uma esmola, mas uma Vida! Tudo está a começar quando percebemos que o Baptismo no Espírito de Cristo é a vivência de uma permanente dinâmica pascal em que assumimos Cristo como Caminho, a Sua Palavra como Luz e o Espírito Santo como Fonte de Vida e Abundância!
III. Na linguagem da Carta aos Hebreus, Jesus Cristo é o único Sacerdote, ou seja, o único Mediador entre Deus e os Homens (1Tim 2, 5). Não é como os sacerdotes da Antiga Aliança que exerciam o culto pelos sacrifícios e oblações, tendo eles próprios que os oferecer permanentemente por si mesmos e para a sua purificação. Jesus é o Mediador entre Deus e os Homens não porque realiza cultos e sacrifícios mas porque é filho de Deus-Pai e dador pleno da Bênção que Deus havia prometido a todos os povos em Abraão. Sim, é isso que significa dizer que Jesus é “Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeq (que foi quem ungiu Abraão e recebeu dele pão e vinho: Gen 14, 18) e não segundo a “ordem de Levi” (que eram os sacerdotes do templo de Jerusalém).
O “culto” da Nova Aliança consiste em acolher o Espírito Santo que é o dom pleno da Bênção de Deus prometida, e deixar-se conduzir por Ele no seguimento de Cristo e na realização da Vontade do Pai.

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