O Espírito de Deus é Livre!

Domingo XXVI do Tempo Comum (B)
1ª Leitura - Do Livro dos Números
O Senhor desceu na nuvem e falou-lhe; tomando do espírito que estava sobre ele, deu-o aos setenta anciãos. Quando o espírito repousou sobre eles, profetizaram; mas depois não o conseguiam. Dois desses homens tinham ficado no acampamento. O nome de um era Eldad e o nome do outro era Medad. O espírito desceu também sobre eles, porque estavam entre os inscritos, embora não tivessem ido para a tenda, e começaram a profetizar no acampamento.
Um rapaz, porém, correu a anunciar isso a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento.» Então Josué, filho de Nun, servo de Moisés desde a juventude, ripostou: «Moisés, meu senhor, não lho consintas.» Respondeu-lhe Moisés: «Tens ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do Senhor profetizasse, que o Senhor enviasse o seu espírito sobre ele!»
2ª Leitura - Da Carta de Tiago
E agora vós, ó ricos, chorai em altos gritos por causa das desgraças que virão sobre vós. As vossas riquezas estão podres e as vossas vestes comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem servirá de testemunho contra vós e devorará a vossa carne como o fogo. Entesourastes, afinal, para os vossos últimos dias! Olhai que o salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar; e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo! Tendes vivido na terra, entregues ao luxo e aos prazeres, cevando assim os vossos apetites… para o dia da matança! Condenastes e destes a morte ao inocente, e Deus não vai opor-se?
3ª Leitura - Do Evangelho de Marcos
Disse-lhe João: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos segue, e quisemos impedi-lo porque não nos segue.» Jesus disse-lhes: «Não o impeçais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim. Quem não é contra nós é por nós. Sim, seja quem for que vos der a beber um copo de água por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa. E se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor seria para ele atarem-lhe ao pescoço uma dessas mós que são giradas pelos jumentos, e lançarem-no ao mar. Se a tua mão é para ti ocasião de queda, corta-a; mais vale entrares mutilado na vida, do que, com as duas mãos, ires para a Geena, para o fogo que não se apaga. Se o teu pé é para ti ocasião de queda, corta-o; mais vale entrares coxo na vida, do que, com os dois pés, seres lançado à Geena. E se um dos teus olhos é para ti ocasião de queda, arranca-o; mais vale entrares com um só no Reino de Deus, do que, com os dois olhos, seres lançado à Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga.»
Comentário às Leituras
O Espírito de Deus é Livre!
I. Já no fim da viagem do Êxodo do Povo de Israel, Moisés ficou desanimado e cansado. Então, Deus mandou-o escolher setenta anciãos entre o Povo, aos quais enviaria o Seu Espírito de Sabedoria e Profecia para que o caminho da Libertação continuasse. Este é o contexto da primeira leitura.
Aconteceu que, no dia da Cerimónia, dois dos escolhidos não foram à Tenda da Reunião, que era como que o “Templo ambulante” do Povo no deserto. No entanto, receberam o mesmo Espírito e começaram a profetizar ali mesmo no acampamento em que tinham ficado! Josué, que viria a ser o sucessor de Moisés na condução do Povo, pediu-lhe que os proibisse de profetizar porque não tinham estado com eles na Tenda nem na Cerimónia.
É a atitude típica do sectarismo religioso ou do fanatismo, sempre inspirado pelo ciúme. O fanatismo é cioso da sua própria exclusividade na relação com Deus, e não admite que a acção do Espírito possa acontecer “fora da sua Tenda e para além das suas cerimónias”: Certamente entendemos bem os símbolos…
II. O início do Evangelho de hoje fala-nos exactamente disto! Alguém usava o nome de Jesus para “expulsar demónios” e os discípulos queriam proibi-los porque “não andava com eles”. Sempre o mesmo problema, que é a tentação de querer “possuir” o Espírito de Deus em vez de deixar-se possuir por Ele!
Do Espírito Santo, Jesus disse que “é como o vento, ninguém sabe de onde vem nem para onde vai…” (Jo 3, 8) O Espírito de Deus não se deixa aprisionar em nenhum tipo de estrutura nem se deixa domesticar por nenhum tipo de poder; não é domínio de ninguém nem privilégio de nenhum grupo!
Todo aquele que se compromete com a causa da libertação do Homem (é isso que significa “expulsar demónios”) está a ser fiel aos apelos do Espírito Santo no seu íntimo, ainda que não Lhe conheça o nome.
Nenhuma espécie de fanatismo ou fundamentalismo religioso pode nascer por inspiração do Espírito de Deus. Nenhum movimento sectário pode ser instrumento da sua acção!
O Espírito de Jesus Ressuscitado ultrapassa todas as fronteiras: rácicas, culturais, religiosas, eclesiais…
A missão dos Discípulos de Cristo é, confiados na certeza da Sua presença ressuscitada entre nós e conhecedores da Boa Notícia da Liberdade do Espírito Santo, criar contextos comunitários de experiência teologal de Fé, Esperança e Amor e tornarmo-nos uma frente universal empenhada na Causa Libertadora do Homem à qual chamamos Reino de Deus!
Os nossos encontros fraternos no Espírito chamam-se Sacramentos e as nossas leis chamam-se Bem Aventuranças.

Na segunda parte do evangelho de hoje, Jesus dá-nos alguns critérios de fidelidade utilizando linguagem muito concreta que podemos perceber assim:
- “todo aquele que der um copo de água…”: há muita gente, que não pertence ao grupo dos discípulos de Cristo, capaz de partilhar os seus dons e fazer o bem. Pois também neles é o Espírito Livre de Cristo que inspira e recompensa o bem!
- “não escandalizar os pequenos…”: que ninguém se afaste de Cristo por causa do nosso mau testemunho, principalmente aqueles que estiverem mais dependentes da nossa mediação para esse encontro.
- “o que for em ti causa de escândalo, corta…”: linguagem dura que apela à Sabedoria de cortarmos os ritmos, as atitudes, os hábitos ou os medos que nos fazem cair na caminhada de fidelidade ao Evangelho. Significa a maturidade de fazer opções sábias, que implicam muitas vezes rupturas e escolhas decisivas e difíceis.
III. É também esta linguagem da Sabedoria e das escolhas decisivas que fala Tiago na segunda leitura: a condenação duríssima que é feita aos ricos (os que têm o Coração fechado à partilha e aos outros porque vivem em função de si próprios) é um apelo à conversão do Coração no sentido da generosidade e da partilha, derrotando o egoísmo que não faz mais nada senão preparar um enorme manjar para a traça e a ferrugem!

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