V[iv]ER à Luz de Jesus…

Domingo IV da Quaresma (A)

1ª Leitura - Do 1º Livro de Samuel
1Sm 16,1.6-7.10-14


O Senhor disse a Samuel: «Até quando chorarás Saul, tendo-o Eu rejeitado para que não reine em Israel? Enche o teu chifre de óleo e vai. Quero enviar-te a Jessé de Belém, pois escolhi um rei entre os seus filhos.» Samuel respondeu: «Como hei-de ir? Se Saul souber, irá tirar-me a vida.» Logo que entraram, Samuel viu Eliab e pensou consigo: «Certamente é este o ungido do Senhor.» Mas o Senhor disse a Samuel: «Que te não impressione o seu belo aspecto, nem a sua alta estatura, pois Eu rejeitei-o. O que o homem vê não importa; o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração.»
Jessé apresentou-lhe, assim, os seus sete filhos, mas Samuel disse: «O Senhor não escolheu nenhum deles.» E acrescentou: «Estão aqui todos os teus filhos?» Jessé respondeu: «Resta ainda o mais novo, que anda a apascentar as ovelhas.» Samuel ordenou a Jessé: «Manda buscá-lo, pois não nos sentaremos à mesa antes de ele ter chegado.» Jessé mandou então buscá-lo. David era louro, de belos olhos e de aparência formosa. O Senhor disse: «Ei-lo, unge-o: é esse.» Samuel tomou o chifre de óleo e ungiu-o na presença dos seus irmãos. E, a partir daquele dia, o espírito do Senhor apoderou-se de David. E Samuel voltou para Ramá. O espírito do Senhor retirou-se de Saul, que era atormentado por um espírito maligno enviado pelo Senhor.

2ª Leitura - Da Carta de Paulo aos EfésiosEf 5,8-14

Outrora éreis trevas, mas agora sois luz, no Senhor. Procedei como filhos da luz - pois o fruto da luz está em toda a espécie de bondade, justiça e verdade - procurando discernir o que é agradável ao Senhor. E não tomeis parte nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, denunciai-as. Porque o que por eles é feito às escondidas, até dizê-lo é vergonhoso. Mas tudo isso, se denunciado, é posto às claras pela luz; pois tudo o que é posto às claras é luz. Por isso se diz: «Desperta, tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo brilhará sobre ti».

3ª Leitura - Do Evangelho de João
Jo 9,1-41


Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os seus discípulos perguntaram-lhe, então: «Rabi, quem foi que pecou para este homem ter nascido cego? Ele, ou os seus pais?» Jesus respondeu: «Nem pecou ele, nem os seus pais, mas isto aconteceu para nele se manifestarem as obras de Deus. Temos de realizar as obras daquele que me enviou enquanto é dia. Vem aí a noite, em que ninguém pode actuar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.» Dito isto, cuspiu no chão, fez lama com a saliva, ungiu-lhe os olhos com a lama e disse-lhe: «Vai, lava-te na piscina de Siloé» - que quer dizer Enviado. Ele foi, lavou-se e regressou a ver. Então, os vizinhos e os que costumavam vê-lo antes a mendigar perguntavam: «Não é este o que estava por aí sentado a pedir esmola?» Uns diziam: «É ele mesmo!» Outros afirmavam: «De modo nenhum. É outro parecido com ele.» Ele, porém, respondia: «Sou eu mesmo!» Então, perguntaram-lhe: «Como foi que os teus olhos se abriram?» Ele respondeu: «Esse homem, que se chama Jesus, fez lama, ungiu-me os olhos e disse-me: ‘Vai à piscina de Siloé e lava-te.’ Então eu fui, lavei-me e comecei a ver!» Perguntaram-lhe: «Onde está Ele?» Respondeu: «Não sei.» Levaram aos fariseus o que fora cego. O dia em que Jesus tinha feito lama e lhe abrira os olhos era sábado. Os fariseus perguntaram-lhe, de novo, como tinha começado a ver. Ele respondeu-lhes: «Pôs-me lama nos olhos, lavei-me e fiquei a ver.» Diziam então alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado.» Outros, porém, replicavam: «Como pode um homem pecador realizar semelhantes sinais miraculosos?» Havia, pois, divisão entre eles. Perguntaram, então, novamente ao cego: «E tu que dizes dele, por te ter aberto os olhos?» Ele respondeu: «É um profeta!» Ora os judeus não acreditaram que aquele homem tivesse sido cego e agora visse, até que chamaram os pais dele. E perguntaram-lhes: «É este o vosso filho, que vós dizeis ter nascido cego? Então como é que agora vê?» Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como é que agora vê, nem quem foi que o pôs a ver. Perguntai-lhe a ele. Já tem idade para falar de si.» Os pais responderam assim por terem receio dos judeus, pois estes já tinham combinado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Messias. Por isso é que os pais disseram: ‘Já tem idade, perguntai-lhe a ele’. Chamaram, então, novamente o que fora cego, e disseram-lhe: «Dá glória a Deus! Quanto a nós, o que sabemos é que esse homem é um pecador!» Ele, porém, respondeu: «Se é um pecador, não sei. Só sei uma coisa: que eu era cego e agora vejo.» Eles insistiram: «O que é que Ele te fez? Como é que te pôs a ver?» Respondeu-lhes: «Eu já vo-lo disse, e não me destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo outra vez? Será que também quereis fazer-vos seus discípulos?» Então, injuriaram-no dizendo-lhe: «Discípulo dele és tu! Nós somos discípulos de Moisés! Sabemos que Deus falou a Moisés; mas, quanto a esse, não sabemos donde é!». Replicou-lhes o homem: «Ora isso é que é de espantar: que vós não saibais donde Ele é, e me tenha dado a vista! Sabemos que Deus não atende os pecadores, mas se alguém honrar a Deus e cumprir a sua vontade, Ele o atende. Jamais se ouviu dizer que alguém tenha dado a vista a um cego de nascença. Se este não viesse de Deus, não teria podido fazer nada.» Responderam-lhe: «Tu nasceste coberto de pecados e dás-nos lições?» E puseram-no fora. Jesus ouviu dizer que o tinham expulsado e, quando o encontrou, disse-lhe: «Tu crês no Filho do Homem?» Ele respondeu: «E quem é, Senhor, para eu crer nele?» Disse-lhe Jesus: «Já o viste. É aquele que está a falar contigo.» Então, exclamou: «Eu creio, Senhor!» E prostrou-se diante dele. Jesus declarou: «Eu vim a este mundo para proceder a um juízo: de modo que os que não vêem vejam, e os que vêem fiquem cegos.» Alguns fariseus que estavam com Ele ouviram isto e perguntaram-lhe: «Porventura nós também somos cegos?» Jesus respondeu-lhes: «Se fôsseis cegos, não estaríeis em pecado; mas, como dizeis que vedes, o vosso pecado permanece.»





Comentário às Leituras
"V[iv]ER à Luz de Jesus…"


1 Neste quarto domingo de Quaresma os catecúmenos que se preparam para o Baptismo na Vigília Pascal, fazem o segundo escrutínio. Vimos na semana passada o que significam e como surgiram estas etapas de “decisão”, “escolha”. A “escolha” de hoje é entre a Luz e as trevas, para utilizar a linguagem do Apóstolo Paulo na segunda leitura. A Luz significa a Vida iluminada pela Ressurreição de Jesus, a capacidade do VER novo da Fé, “Ver como Deus Vê”, podemos dizer a partir da primeira leitura.

2 O jeito de Deus manifestar as suas escolhas no seio da história de Israel está marcado pelo desconcerto que nos provoca ao tomar para si os mais pequenos, os mais inesperados segundo os nossos critérios de “valor” ou “importância”. A escolha de David é símbolo renovado disto mesmo… Todos os filhos de Jessé passaram diante do profeta que, como nós, se deixou impressionar pelo belo porte e pelo tamanho de alguns deles… Mas Deus travou o profeta…

Quando “todos” tinham passado, surge a pergunta: “Não há mais? Porque o Senhor não escolheu nenhum destes!” E a resposta de Jessé deixa-nos perceber que David, o “fedelho” que andava com o rebanho, não contava para aquelas contas… Mas era esse mesmo! Deus conta com os que não contam, porque no mistério profundo do Seu Olhar está o Amor, que transfigura todas as coisas.

3 É esse mesmo olhar que o evangelista João nos propõe ganharmos pelo mergulho (baptismo) da Vida no Espírito Santo de Jesus. A cura do cego de nascença é uma catequese catecumenal extraordinária. Começa deitando por terra uma “teoria” muito aceite na altura, pela qual todos acreditavam que as doenças e os males eram castigos de Deus pelo pecado. Até os discípulos de Jesus acreditavam nisto! E hoje, infelizmente, ainda são tantos os que acreditam… É uma das “cegueiras” de que ainda temos que ser curados, esta que nos impede de Vermos o Rosto de Deus limpo das nossas próprias lógicas, justiças, métodos e violências.

O cego é curado pelo encontro íntimo com Jesus que o Toca e o manda fazer Caminho até à Piscina de Siloé, onde deve lavar-se. O evangelista tem o cuidado de nos ajudar a interpretar os símbolos, dizendo-nos que “Siloé” significa “Enviado”. A “Água do Enviado” é o Espírito Santo, a “Água Viva” que Jesus prometeu na semana passada à Samaritana. O “mergulho (baptismo) no Espírito Santo”, celebrado na Vigília Pascal, era o fim do Caminho do Catecumenado que começara no encontro íntimo com Jesus que tinham escolhido seguir. Por isso, na Igreja primitiva os recém-baptizados se chamavam “Iluminados”, porque tinham penetrado no mistério da Luz do Ressuscitado pela qual viam todas as coisas de maneira nova.

Estes símbolos da caminhada catecumenal são para nós hoje. Porque NADA DISTO É UM “MOMENTO”, MAS SIM UMA “MANEIRA DE VIVER”! Viver disponível ao encontro transformador com Jesus, ser capaz de pôr-se a Caminho, deixar-se mergulhar na Lógica, na Vida, na Luz do Espírito Santo que no mais íntimo nos apela a seguir Jesus e nos faz capazes de o testemunharmos…

“Ver”, nos evangelhos, é sempre uma linguagem que nos remete para a Experiência Pascal. “Nós vimos!!!” Esta cura das nossas cegueiras que vai acontecendo na medida em que fazemos da nossa Fé um Caminho Baptismal permanente, torna-se um processo Pascal. É uma “maneira de viver” pela qual vamos passando do Homem Velho ao Homem Novo, do egoísmo ao Amor, da morte à Vida. É um caminho de descoberta do rosto de Jesus… Começamos por ser sempre “cegos” diante desse rosto… Se nos deixamos encontrar, tocar e o levamos a sério, então começa a mudança. Nesta catequese da cura do cego de nascença é evidente a descoberta: começa por chamá-lo “um homem”… depois, “é um profeta”… mais à frente, é “um homem de Deus”… por fim, renascido da Água Viva do Enviado e provado pelo Testemunho que deu, chama a Jesus “Senhor”, título reservado pelos judeus para falarem de Deus. Quem não fez este Caminho, como os que aparecem nesta catequese, chamam-no apenas de “esse aí” ou “o tal”…

Este Caminho de cura das cegueiras e descoberta do Rosto Pascal de Jesus que se torna fonte de Luz para Vermos bem, é também um Caminho de Transfiguração. Por isso é que até os amigos do cego depois tinham dificuldade em reconhecê-lo: “é ele… não, não é, é apenas parecido…”

Este é o principal Testemunho que o Enviado do Pai, Jesus, faz acontecer em nós! Pelo dom do Espírito Santo transfigura a nossa Vida, quando deixamos que ele a ponha a Caminho, e torna-nos sinal da presença do seu Reino, manifestação da sua Bondade, prova visível do seu poder libertador.

Como catecúmenos da Palavra de Deus, todos nós devemos reaprender também que o Anúncio do Evangelho que Jesus confia aos seus discípulos não consiste em “papaguear” doutrinas nem rezas, mas no Testemunho de uma Vida Transfigurada na sua Luz! Porque Jesus sabe bem que quando Vemos como ele Vê, Vivemos mais como ele Vive.

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