"Correu, saltou-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos!"


Domingo IV da Quaresma (C)
1ª Leitura - Do 2º Livro das Crónicas
2Cr 36,14-16


Todos os chefes dos sacerdotes e o povo continuaram a multiplicar as suas prevaricações, imitando as práticas abomináveis das nações, e profanaram o templo que o Senhor consagrara em Jerusalém. O Senhor, Deus de seus pais, enviou-lhes constantemente advertências por meio de mensageiros, para os admoestar, pois queria perdoar ao seu povo e à sua própria casa. Eles, porém, escarneceram dos seus conselhos e riram-se dos seus profetas, até que a ira do Senhor caiu sem remédio sobre o seu povo.

2ª Leitura - Da 2ª Carta de Paulo aos Coríntios
2 Cor 5,17-21


Se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas. Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação. Pois foi Deus quem reconciliou o mundo consigo, em Cristo, não imputando aos homens os seus pecados, e pondo em nós a palavra da reconciliação. É em nome de Cristo, portanto, que exercemos as funções de embaixadores e é Deus quem, por nosso intermédio, vos exorta. Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, nele, justiça de Deus.

3ª Leitura - Do Evangelho de Lucas
Lc 15,1-3.11-32


Aproximavam-se dele todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. Mas os fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles.» Jesus propôs-lhes, então, esta parábola: «Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde.’ E o pai repartiu os bens entre os dois. Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua e por lá esbanjou tudo quanto possuía, numa vida desregrada. Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. Então, foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. E, caindo em si, disse: ‘Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros.’ E, levantando-se, foi ter com o pai.
Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos.
O filho disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho.’
Mas o pai disse aos seus servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos,
porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.’ E a festa principiou. Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. Disse-lhe ele: ‘O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo.’ Encolerizado, não queria entrar; mas o seu pai, saindo, suplicava-lhe que entrasse. Respondendo ao pai, disse-lhe: ‘Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos; e agora, ao chegar esse teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo.’ O pai respondeu-lhe: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado.’»


Comentário às Leituras
"Correu, saltou-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos!"

Aproximavam-se de Jesus todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. Mas os fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles!» Jesus propôs-lhes, então, esta parábola:
Vinham uns para escutar… enquanto outros vinham para murmurar…
“Evangelho” significa “Boa Notícia”. No entanto, a “Boa Notícia” não é “boa” para toda a gente ao mesmo tempo e da mesma maneira… Porque é para uns Libertação, e para outros Denúncia! Porque é para uns Esperança, e para outros Conversão…
Deus é Amor! E não há nada menos neutro que o Amor…


«Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde.’ E o pai repartiu os bens entre os dois. Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua e por lá esbanjou tudo quanto possuía, numa vida desregrada. Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. Então, foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.
A “liberdade” fora do Amor é um equívoco…
Há horas assim, em que a voz do Pai não se escuta, como na parábola… A opção do filho calou o Pai! Há silêncios que só o Amor consegue fazer… Há opções que só o Amor consegue respeitar…
Tenho a certeza que, quando o filho saiu de casa, já saiu Perdoado! O Perdão antecipa-se ao arrependimento…


E, caindo em si, disse: ‘Quantos trabalhadores do meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores.’ E, levantando-se, foi ter com o pai.
Eis uma das experiências mais importantes: o castigo do pecado não é a consequência da justiça de um “ser superior”, mas faz parte da propria lógica do pecado! O castigo não é uma imposição do Pai, mas sim a experiência de fracasso da sua própria opção…
“Cair em si”… simboliza um movimento de fora para dentro… como se andássemos dispersos de nós próprios, “fora de nós” e, de repente, tropessássemos e “caíssemos em nós”, “para dentro de nós” como quem caminha nas bordas de um poço… no fundo, é como que um “doloroso retorno à nossa identidade profunda”…
Por isso, “cair em si” significa deixar de andar “fora de si”…
É a experiência da Crise, sem a qual não há crescimento nem sabedoria! Viver é Renascer interiormente, e ninguém renasce sem “dores de parto”…
“Cair em si”, “Levantar-se” e “Regressar”… que maneira bonita de falar da Conversão…


Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos.
O filho disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho.’
Mas o pai disse aos seus servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos,
porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.’ E a festa principiou.
“Já não sou digno… Já não mereço…” Eis a linguagem do filho, tantas vezes como a nossa quando nos colocamos a nós próprios como medida da nossa relação com o Pai… O Pai não conhece essa linguagem que o filho aprendeu “pelo mundo”… o Pai só conhece a linguagem da Graça!
É o Pai que o vê, ao longe, como que esperando-o já há muito tempo e espreitando a cada minuto o horizonte pela janela… Sente revolverem-se-lhe as entranhas, como que intuindo que chegou a hora de gerá-lo de novo… Correu, porque o Amor tem tanto de paciente como de apressado… Atirou-se-lhe ao pescoço… Num abraço, introduziu-o de novo no seu seio, devolveu-lhe o “lugar” do qual tinha saído… e “cobriu-o de beijos”… Jesus sabia o que dizia quando nos falava do seu ABBA através do rosto deste Pai ofegante…
A frase ensaiada daquele que a si próprio já tinha retirado a dignidade de “filho” não teve qualquer efeito naquele que desde o sempre o amara e perdoara como Pai! Por isso, não tem qualquer eco! No abraço e na ordem para que fosse preparado o Banquete, o Pai recriou-o como filho! O Perdão é Recriador… Devolve-nos a nossa Dignidade e devolve-nos à nossa Condição…
Agora é o Pai que cala o filho! Assim como antes a opção do filho calara a voz do Pai, agora é o Perdão incondicional do Pai que cala a voz do filho, os seus pedidos de desculpa e as suas “frases ensaiadas”…
Nem sequer um “Eu já sabia…” se percebe na doçura deste Pai… tudo nos fala de Graça e Amor sem limites neste Encontro… o Amor que na partida do filho manifestara toda a sua “fraqueza”, revela na hora do Perdão toda a sua Força Recriadora!


Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. Disse-lhe ele: ‘O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo.’ Encolerizado, não queria entrar; mas o seu pai, saindo, suplicava-lhe que entrasse. Respondendo ao pai, disse-lhe: ‘Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos; e agora, ao chegar esse teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo.’ O pai respondeu-lhe: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado.’»
É mais difícil do que parece viver esta sabedoria: o bem dos outros não é o meu mal! É mais difícil do que parece… Por insegurança e desejo de sermos amados, o nosso Coração tende facilmente ao egoísmo… Uma das suas formas é não nos alegrarmos com o bem dos outros pelo simples motivo de que “é deles”! A não ser, claro, que esse bem seja “provocado” por nós próprios… então sim, alegramo-nos com o bem que lhes acontece, bem que nós lhes fizemos… É uma forma de egoísmo menos evidente, um “egoísmo altruísta” que, no fundo, não é senão a procura de si próprio através do reconhecimento dos outros…
Os dois filhos pensam com a mesma lógica, embora se sintam em “lados opostos” dela: o filho mais novo diz “Eu não sou digno, eu não mereço…”; e o filho mais velho diz “Eu que sou tão digno, eu que mereço…”
O Amor do Pai insere-os noutra lógica, converte os dois à Graça: ao mais novo pelo abraço do Acolhimento e ao mais velho pela súplica à Conversão!

Esta “saída” do Pai que se dirige ao filho mais velho para lhe “suplicar” que mude de lógica [não exige, não grita, não ameaça…] é muito forte… A parábola acaba sem sabermos o resultado desta “súplica paternal”… E é bom assim. Para percebermos que talvez, hoje mesmo, o ABBA esteja à espera da nossa Resposta…

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